Os fabricantes e fornecedores de veículos não estão obrigados a instalar o
equipamento de rastreamento e/ou localização, conforme
determina a Resolução nº. 245/07 do CONTRAN. Esse é o entendimento do juiz
federal substituto Douglas Camarinha Gonzales, da 7ª
Vara Cível Federal de São Paulo.
Em decisão liminar proferida ontem
(16/4), Camarinha acatou pedido do Ministério Público Federal e decidiu pela
nulidade do art. 1º, § 1º (última parte) da Resolução nº. 245/07 do CONTRAN, e
dos itens 1.1 e 2.1 do anexo à Portaria nº. 102/08 do DENATRAN, que obrigavam a
instalação compulsória de mecanismo de rastreamento na frota de veículos
nacional e importada, acoplada a um dispositivo antifurto.
Segundo o MPF, a obrigatoriedade do
produto viola preceitos constitucionais, pois implica efetiva lesão à
privacidade do cidadão e ao seu direito de propriedade, bem como
institucionaliza a venda casada de dois dispositivos de segurança (o mecanismo
antifurto e o rastreador) num só produto. Para o autor
da ação, a ofensa ao direito de privacidade está na possibilidade do rastreador
revelar a rota realizada pelo veículo, via satélite,
independente de autorização do proprietário.
“Diante das provas coligidas aos autos
constata-se que sim, que o mecanismo tecnológico em apreço é dotado de
tecnologia que permite sua funcionalidade ainda que não habilitado pelo consumidor/proprietário do veículo”, afirma Douglas
Camarinha. As montadoras manifestaram-se no processo e foram unânimes em afirmar
que o rastreamento é possível, ainda que não habilitado pelo
usuário.
“A rigor, o sistema tecnológico em
apreço de fato alberga as últimas 200 localizações do veículo, ainda que
desligado o rastreador, até mesmo se tais informações estejam criptografadas ou sujeitas à senha para futura localização,
o banco de dados existe de fato (embora latente), não obstante vontade contrária
do consumidor/proprietário. Tal situação conspurca
contra o direito fundamental da intimidade e da privacidade”, diz o
juiz.
Em sua decisão, Douglas Camarinha faz
alusão à obra de George Orwell. “Tal atitude deturpa o
senso de liberdade e induz um sentimento de caputis diminutio à
dignidade da pessoa humana, porquanto devasta o sentimento de intimidade. Enfim,
firma uma inferioridade do cidadão, perante a máquina estatal que num clique
tecnológico passa a supervisionar o cidadão comum, tal como na ficção científica
delineada por George Orwell no livro de 1984, que
sintetiza a idéia de Big Brother do aparato estatal
para controlar o indivíduo, através da implacável tecnologia de
vigilância”.
Para o juiz, se a própria Resolução nº.
245 requer o consentimento do proprietário/consumidor
do veículo para habilitar o rastreador, resta ilógica a necessidade de se
acoplar num só mecanismo o dispositivo antifurto/bloqueador e o rastreador, além de antieconômico – “tanto porque é dogma da economia livre
oferta para melhores preços, ao contrário do que sustenta a ré (União
Federal)”.
Por fim, Douglas Camarinha entende que
a fixação do rastreador deverá ser separada do dispositivo antifurto, “justamente para preservar a lógica do sistema
que ampara a vontade do consumidor/proprietário do
veículo para decidir sobre sua aquisição, bem como os valores constitucionais da
privacidade e do livre arbítrio, dogmas da liberdade e do próprio Estado de
Direito erigido pela Constituição da República”.
Nesse contexto, a implantação do
aparato antifurto – o bloqueador – deverá ser
realizada separadamente do rastreador, através dos necessários ajustes técnicos,
sendo facultado ao consumidor a utilização do rastreador através de requerimento
expresso. (RAN)
Ação
Civil Pública Cominatória nº 2009.61.00.007033-0
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